quarta-feira, 3 de março de 2010

Exposição sobre cofos na Casa de Nhozinho

"Cofo é o nome dado, no Maranhão, à cestaria de natureza utilitária, confeccionada manualmente com as folhas de palmeiras nativas. No dia-a-dia do maranhense, o cofo é um instrumento já “tradicional” e mesmo indispensável. Ainda que muitas vezes invisível para muitos (...)." (pag.11)

Assim definido no livro Cofo: tramas e segredos, esse utensílio tão comum no cotidiano do povo simples do Maranhão ganhou destaque através da exposição em cartaz desde agosto de 2009 na Casa de Nhozinho.
Essa exposição é resultado de uma extensa pesquisa, de onde também surgiu a oportunidade de publicar o livro, que se materializou num conjunto de registros com cerca de 1800 fotografias, 13 relatórios e 72 entrevistas feitas com homens e mulheres que através de seus conhecimentos e histórias, dão cor, textura e sentido a essa exposição e à publicação.

Foi dessa forma que, com o patrocínio do Programa BNB de Cultura e o apoio da 3ª Superintendência Regional do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional no Maranhão e do Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular, a Comissão Maranhense de Folclore, através de uma equipe formada por antropólogos e pesquisadores, percorreu cidades e localidades em seis regiões do Maranhão, em busca de registros sobre conhecimentos desenvolvidos e repassados ao longo de gerações.

"Eu aprendi sozinha mesmo com idade de oito anos. Olhando assim, eu começei a fazer, mal feito, né? E aí eu fui, olhando o jeito dos outros, quando pensei que não, eu aprendi a fazer muito direito." Gardênia de Oliveira, Cachoeira, Codó. (pag. 47)
"Quando eu tinha meu pai, eu era danado pra ir pescar. Um dia eu pedi‘papai, me ensine fazer um cofo aqui’. Ele me ensinou a primeira vez,eu não acertei. Quando foi na segunda vez ele tirou o talo do cofo e me largou pela cabeça. Aí eu disse ‘não, papai, desse jeito eu não vou aprender’. (Risos) Larguei lá, quando foi de noite os colegas vieram com vontade de ir pescar... E eu sem poder ir no igarapé porque não tinha um cofinho. Aí eu pulei, rapaz, pelejei de noite, até Deus e Nossa Senhora ajudaram e eu acertei fazer por mim mesmo. Aí eu não me esqueci mais, fiquei fazendo cofo todo tempo." Arlindo Trindade, Central do Maranhão. (pag. 47)

Assim, as reflexões feitas na exposição e no livro estão apoiadas em trabalho de campo que se desenvolveu entre os meses de junho de 2007 a janeiro de 2008. Inicialmente pensadas para ser realizadas em 12 municípios, as viagens expandiram-se para 24 localidades em diferentes regiões do estado, escolhidas devido à marcante utilização do cofo nas atividades cotidianas. Entre elas: Alcântara, Axixá, Bacurituba, Carutapera, Caxias, Cedral, Central do Maranhão, Codó, Cururupu, Guimarães, Icatu, Itapecuru-mirim, Matinha, Mirinzal, Morros, Pinheiro, Porto Rico do Maranhão, Raposa, Rosário, São Bento, São Luís, Viana.
Para a equipe que realizou esse grandioso trabalho, esse é apenas o primeiro passo no sentido de valorizar e estimular a continuidade e o repasse dos conhecimentos sobre as técnicas de manufatura de cofos e contribuir para que estes artesãos não sejam mais deixados no anonimato.

Estagiários e funcionários da Casa de Nhozinho exibindo o livro Cofo: tramas e segredos

A exposição pode ser visitada de terça a domingo, das 09 às 18 horas, na Casa de Nhozinho, ainda com data indeterminada para sair do módulo expositivo.

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Nhozinho: um artista popular

O ano é 1904, no humilde povoado de Bacuripanã, município de Cururupu-MA. É nesse cenário que nasce, no dia 17 de maio, um gênio da arte popular do Maranhão, Antônio Bruno Pinto Nogueira, mais conhecido como Nhozinho.


Já na infância, o menino, que gostava de soltar papagaios e brincar na rua, demonstrava suas habilidades para criar seus próprios brinquedos, com matéria-prima simples encontrada nas proximidades da sua casa, como madeira e o buriti, espécie de palmeira nativa da região.

Alguns anos depois ele vai com seus pais, Sebastião José Nogueira e Marcolina Cecília Pinto Nogueira, morar na sede do município de Cururupu, onde encanta as demais crianças com seus brinquedos artesanais.

Aos 12 anos é descoberta uma doença degenerativa, que lhe deformou os pés, pernas, braços e mãos, e que mais tarde viria a cegar-lhe o olho direito. Após a morte dos seus pais, ele deixa o município de Cururupu e vai morar com a irmã na capital maranhense, no ano de 1936, então com 32 anos.

Em São Luís, Nhozinho continuou a produzir os brinquedos e as esculturas em miniatura de personagens populares, como a brincadeira do bumba-meu-boi, mesmo acometido dos sérios problemas de saúde. O artesão chegou a construir um carrinho de madeira para sua locomoção. Elaborava, ainda, as ferramentas para exercer sua atividade e a própria bancada onde fazia os brinquedos.



A consagração de Nhozinho enquanto artista popular deu-se a partir da produção de cerca de cinquenta caixinhas de costureiro, para a empresa Singer, na qual haviam uma moça e uma máquina de costura ornamentando a tampa.

No decorrer da década de 1940, o artesão começou a chamar a atenção de pesquisadores e intelectuais, firmando-se no mercado de arte popular nas décadas seguintes, o que lhe conferiu uma vida independente e autônoma.



No dia 23 de maio de 1974, aos 70 anos, no auge da sua atividade artística, Antônio Bruno, o Nhozinho, faleceu sem deixar herdeiros, mas com uma diversificada produção, como as miniaturas das mulheres rendeiras, embarcações feitas em buriti, imagens para presépios, os brincantes do bumba-meu-boi sotaque de costa de mão e muitos outros personagens do folclore maranhense que serviam de inspiração para o artesão.



Fontes de pesquisa:

ROCHA, Maira Teresa Gonçalves. Compreensão estética de um acervo: estágios de desenvolvimento estético e tipos de leituras de imagens realizadas pelos frequentadores do Centro de Cultura Popular Domingos Vieira Filho. São Luís, 2004.

RIBEIRO, Ladislene dos Santos. Casa de Nhozinho: Espaço vivo de preservação da cultura popular maranhense. São Luís, 2009.

http://www.nhozinho.art.br

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Blog Casa de Nhozinho estréia falando da exposição de Márcio Vasconcelos

Enfim, estamos fazendo a primeira publicação do Blog Casa de Nhozinho. Esperamos que este blog se transforme em uma fonte de boas e importantes informações sobre a cultura popular maranhense. Dessa forma, nossa primeira publicação é de autoria de Grete Pflueger, e fala sobre a exposição "ZELADORES DE VODUNS E OUTRAS ENTIDADES DO BENIN AO MARANHÃO" do fotógrafo maranhense Márcio Vasconcelos, em cartaz na Casa de Nhozinho até o mês de fevereiro. Visitem! E boa leitura...


A Saga de uma Rainha Negra

A saga de Nã Agotimé é pura magia. Representa a força dos elementos naturais transformando a vida que se transforma em culto.
Desde tempos imemoriais se cultuava os voduns da família real do Daomé, hoje Benim. Um Clã mágico e místico iluminava o continente negro, numa época de uma África conturbada por guerras tribais em busca do poder. Muitos reis passaram e o Daomé, que era apenas uma cidade, tornou-se um país.
No palácio Dãxome, reinava Agongolo. O rei tinha como segunda esposa a rainha Agotimé e dois filhos (Adandozan, do primeiro casamento, e Gezo, nascido de Agotimé). No momento de sua morte, o rei elegeu seu segundo filho para sucedê-lo no trono, mas a sua ordem foi desconsiderada e Adandozan assumiu o trono como tutor de Gezo. Abomey tornou-se vítima de um governo tirânico e cruel.
Mágica e Magia. A rainha era conhecida em seu reino pelas histórias que contava sobre seus ancestrais e sobre o culto aos reis mortos. Guardava os segredos do culto a Xelegbatá, a peste. Detentora de tais conhecimentos, o novo rei tratou de mantê-la isolada, acusando-a de feitiçaria, e não hesitou em vendê-la como escrava.
Em Uidá, grande porto de venda de escravos, Agotimé foi jogada nos porões imundos de um navio e trazida para o Brasil. O sofrimento físico da rainha, traída e humilhada, era uma realidade menor, pois o seu espírito continuava liberto e sobre as ondas a rainha liderou um grande cortejo, atravessando o mar.
Desse episódio se forjou um dos elos que une a África ao Brasil. Chegou ao novo continente um corpo escravo, mas um espírito livre, pronto para cumprir a sua saga e fazer ouvir daqui o som dos tambores Jejes.
Seu primeiro destino foi Itaparica, na Bahia, porto do seu destino e terra santa do conhecimento. Vinda de uma região onde poucos escravos se destinavam ao Brasil, Agotimé se deparou com muitos irmãos de cor, mas não de credo.
No seu encontro com os Nagôs teve o seu primeiro contato com os Orixás, e através deles a Rainha escrava teve notícias de seu povo. Por eles soube que sua gente era chamada Negros-Minas e foram levados para São Luís do Maranhão. Contaram que não tinham local para celebrar o seu culto, pois esperavam um sinal de seus ancestrais. Agotimé logo entendeu por quem esperavam.
Dessa forma a rainha chegou ao Maranhão. Terra da encantaria e de forte representação popular. Os tambores afinados a fogo e tocados com alma por ogãs, inspirados por velhos espíritos africanos, ecoam por ocasião das festa e pela religião. Foi no Maranhão que Agotimé, trazida para o Brasil como escrava, voltou a ser Rainha. Sob orientação de seu vodum, fundou a "Casa das Minas”, de São Luís do Maranhão, em meados do século XIX.
Para contar essa história, trilhando caminho inverso ao de Nã Agotimé, e com uma exposição fotográfica sob a forma de portraits, o fotógrafo maranhense Márcio Vasconcelos viajou ao Benin acompanhado do antropólogo africano Hippolyte Brice Sogbossi.
A proposta do Projeto é realizar uma pesquisa e documentação fotográfica da atual situação de terreiros e seus respectivos chefes no Benim e no Maranhão. Para tanto, foram entrevistados e fotografados personagens de reconhecida importância no cenário do culto aos voduns, com a finalidade de traçar um paralelo entre os Sacerdotes africanos e os Chefes de Terreiros do Tambor de Mina do Maranhão.
No Benin, num período de 25 dias, foram visitadas as cidades de Cotonou, Abomey, Allada, Ouidah, Calavi e Porto Novo. O Projeto “Zeladores de Voduns e outras Entidades do Benin ao Maranhão” foi aprovado no Edital de Apoio à Produção Cultural do ano de 2008 da Secretaria de Estado da Cultura do Maranhão.



Márcio Vasconcelos é fotógrafo profissional independente e há mais de uma década vem se dedicando a registrar as manifestações da Cultura Popular e Religiosa dos afro-descendentes no Estado do Maranhão. Hippolyte Brice Sogbossi é beninense e radicado no Brasil há mais de 10 anos. Doutor em Antropologia Social e professor da Universidade Federal de Sergipe.


Fotos: EUCLIDES MENESES / AGBOCE SU HU NEXO-OUIDAH
Exposição Márcio Vasconcelos